Friday, December 09, 2005

Henrique II (Quarta-feira, 8 de Setembro de 2004)

Faz anos que já não falo com Henrique. Era uma pessoa boa, reservada. Era também um céptico por natureza. Apesar de perspicaz, não era grande lutador. Henrique sabia que não podia esperar nada dos que o rodeavam. Sonhador conformado... Procurava os pequenos prazeres da vida, escapava aos grandes deveres... Era também impulsivo. Não conseguia enfrentar problemas. A sua estratégia, era simplesmente, esquecer, ignorar, contornar... Henrique era perito, por assim dizer, em formatar a sua vida... Conhecera muita gente má... Henrique não suportava amargos de boca. Sempre que algo ou alguém lhe provocava uma situação desagradável, Henrique não exitava em usar a sua borracha permanente, e apagar tudo da sua memória.

Certo dia, disse que precisava de falar comigo. Estava preocupado. Henrique não conseguira evitar os olhos de uma bela mulher, e apaixonara-se. A partir desse dia passou a frequentar o mesmo lugar sempre que podia, para poder voltar a vê-la. Contudo não se sentia muito bem naquele sítio. Toda aquela normalidade o aborrecia. Contudo, sentia uma necessidade cada vez maior de olhar aqueles olhos, aquele sorriso, aquela face rosada... O tempo foi passando e Henrique ia-se apaixonando cada vez mais. Quando chegava a casa, via Henrique rejubilar de alegria pela recordação de mais um olhar, de mais umas palavras. Outras vezes, dava por si triste... Dizia ele que eram os ciúmes. Certo dia tudo tinha mudado. Joana não mais frequentava aquele sítio, senão de passagem... Henrique, com pouca auto-estima e sempre preocupado em evitar toda e qualquer demonstração de afecto que extravasasse a amizade, ficara triste mas conformado... Iria apenas conviver e tentar encontrar bons momentos de amizade. Desistira de amar... Mas certo dia Joana regressou. Henrique, que durante anos não tinha amado mais ninguém, dá por si numa tremenda confusão. A sua negligência e ingenuidade, tinham-no deixado num beco sem saída. Henrique, que nem a si próprio se amava, já não sabia quem amava realmente, e se amava sequer tão pouco... Fugira á confrontação. Henrique inventara a conclusão que nada haveria para pensar, pois a confusão só existiria na sua cabeça... Segundo ele, bastaria deixar de pensar naquele problema, e ele desapareceria automaticamente. Henrique tinha apenas uma certeza. Ninguém nunca o amara realmente... Uma borracha e uma conta de subtrair, resolveria o problema...

Henrique alterou radicalmente sua vida, e não mais regressou aquele sítio. Não mais voltou a ver Joana, senão ao longe e ficou conformado com o destino daquela solução. Henrique estava agora de novo sozinho. Em sítios diferentes, e mesmo com vontade de se voltar a apaixonar, não conseguia contudo esquecer aqueles momentos... Joana estava permanentemente nos seus sonhos. Henrique não aguentava mais aquela situação. Tentou regressar para dissipar aquelas dúvidas enevoadas, mas o seu cepticismo já não conseguia passar despercebido... Os ferozes cães de guarda da produtividade e do modelo padrão, barravam-lhe o caminho, instintivamente... Henrique, agora mais céptico do que nunca, desiste definitivamente... Ficaria para sempre por resolver aquele enigma... Novos viriam...

Mas passados anos, já não é a paixão, nem a confusão, nem as dúvidas que atormentam Henrique... Não é simplesmente a culpa por ter abandonado Joana… Não é a conversa nunca aflorada, não é o beijo nunca dado, não é a relação nunca consumada… É a imagem dela, que insiste em aparecer ininterruptamente nos seus sonhos... Aquela face que lhe aparece como no primeiro dia em que a viu… Aquele arrepio na espinha que sentiu quando pensou “é esta”... Aquele olhar, que só ele sabe como lhe fere todas as certezas... Saberia ela? Rabiscos perdidos de uma paixão antiga… Platónica, perfeita impossível... Apenas remorsos subconscientes de uma oportunidade perdida.., por ele... Para sempre...

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