Friday, December 09, 2005

The Return Of The Fucking Indecision

Voltei ao nostalgicamente negro pântano depressivo, que descreveria muito superficialmente como a velha angústia corrosiva da solidão, curiosamente numa semana que até foi paradoxalmente mais agitada do que o normal. Inexplicavelmente, este sentimento de letargia surge num período marcado até por relativa socialização, e com alguma intimidade até à mistura.

Lembro-me que até há bem pouco tempo, andava satisfeito por ter voltado a sentir aquela energia dos meus tempos de adolescente (16, 17 anos), em que nada parecia impossível e a sede de viver me fazia correr atrás de tudo, a alta velocidade, numa permanente e insaciável sede de abarcar o máximo possível da vida, no mais curto espaço de tempo. Lembro-me que corria como um desvairado em direcção ao próximo encontro, à próxima paixão, numa desenfreada e inconsciente missão que prosseguia religiosamente como se tivesse acabado de descobrir o mais precioso segredo do mundo. E tinha de facto a convicção de que tinha descoberto algo muito poderoso. Não, não era o amor. Esse veio depois e deu cabo de tudo. Era a paixão. Não a paixão platónica, pois essa já a conhecia perfeitamente, e ainda hoje tenho dificuldade em saber como reagir a elas. Era a outra paixão. A paixão do prazer. A paixão do momento. A paixão da intimidade. A paixão de compartilhar o meu segredo com o maior número de almas curiosas, que como eu, estivessem na predisposição de embarcar na intima cumplicidade, no calor de uma aventura fugaz e extemporânea. Não havia receios, nem grandes questões acerca do futuro. Não havia medo de sentimentos, nem de problemas. Apenas uma tremenda vontade de experienciar, de viver. Não haviam grandes questões nem compromissos. Os relacionamentos começavam naturalmente como uma pequena brincadeira de flirts mais ou menos explícitos. A abordagem era feita de forma leve e sem grandes sobressaltos ou inibições de parte a parte. Não havia grandes complexos ou preconceitos. Algumas novas e velhas amizades passavam a merecer uma atenção central, a partir do momento em que a filosofia partia de uma análise centrada numa perspectiva de partilha e não da perspectiva de apropriamento ou aproveitamento da outra parte. A ideia era sim, proporcionar prazer à outra metade quando ela nos agradava e nos retribuía prazer, em igual proporção. Era como uma risco assumido, uma aventura que ambos aceitávamos tacitamente percorrer.

Recordo com nostalgia a sensação do calor daqueles beijos repetidos vezes sem conta, em corredores obscuros e escondidos do liceu. Lembro-me do seu sorriso maroto, dos seus olhos escuros e rasgados, do seu caminhar apressado mas seguro, do seu olhar tímido e inocente. Das suas felizes gargalhadas, dos seus abraços apertados. Da primeira vez que nos beijámos. Daquela noite quente nas areias da praia alentejana. Do seu corpo perfeito, da sua cintura delgada. Pegava-lhe delicadamente e ia subindo até acariciar os seios firmes e maduros, à medida que se ia contorcendo de prazer. Recordo-me da Caty.

Recordo aquelas tardes passadas no jardim, em que se rebolávamos na relva como loucos. Recordo-me de viagens (sem carta) que fazia de mota diariamente para vê-la. Lembro-me dos seus belos e delicados cabelos dourados. Da sua pele branca. Da forma harmoniosa e sublime do seu corpo. Dos seus olhos claros. Do cantinho no jardim, do nosso banco no parque. Deitados, deixávamo-nos embalar nos braços um do outro, enquanto contemplávamos o azul do céu e as nuvens que iam passando vagarosamente... As despedidas intermináveis. Aquela tarde de verão nas dunas. Nada mais parecia importar. Da nossa primeira vez. Despíamos os preconceitos e perdíamo-nos em carícias, ao mesmo tempo que tremíamos como varas verdes. Do nosso abraço. Da nossa última e dolorosa despedida. Das nossa ridículas cartas de amor. De vê-la chorar naquele dia. Recordo-me da Filipa.

Recordo-me daquele canto atrás da escola, pelo anoitecer, onde nos abraçávamos sofregamente todos os dias à mesma hora, antes da partida para o autocarro. Lembro-me perfeita do sabor agridoce da mistura de sentimentos. Dos olhares cúmplices nos intervalos. Das brigas constantes. Do seu cabelo ondulado, naquela altura ainda longo e natural. Do seu sorriso. Do seu perfume. Dos problemas mal resolvidos. Da intensidade aqueles beijos que pareciam sempre que iam ser os últimos. Das noites no banco de trás do carro. Daquela em que chegámos às seis da madrugada e estavam os seus pais na rua à espera. Da sua primeira vez. Das minhas cicatrizes. Do que se seguiu. Daquelas noites. Recordo-me da Vânia.

Recordo-me também das tardes passadas na varanda mais alta daquele prédio de 7 andares abandonado, que nunca se chegou a terminar apesar de terminado, e que não tínhamos qualquer pudor em partilhar com os agarrados que pernoitavam de noite nos andares de baixo. Dos seus longos e lisos cabelos pretos que desciam até aquele rabo perfeito. Das curvas do seu delgado corpo. Das suas longas pernas de modelo (que chegou a ser). Dos seus seios, redondos e empinados. Do seu estilo misterioso e rebelde. Cheios. Dos seus olhos verdes. Da sua pele morena e exótica. Dos seus lábios delicados mas carnudos, bem definidos. Lembro-me bem daquele nosso quarto improvisado. Das nossas longas horas de conversa. Da forma como me acariciava o cabelo. Chamava-me Índio. Ela sim, parecia uma deusa de uma tribo. Daquela porta de madeira que parecia o colchão mais confortável do mundo. Daquelas garrafas de vinho verde frescas que bebíamos como champanhe. Das nossas eternas bebedeiras. Das tardes que passávamos naquele bar. Dos nossos cigarros. Das nossas primeiras ganzas. Lembro-me do dia em que vomitou. Das brigas silenciosas, por causa de Vânia. Daquela tarde que passámos no carro, quando a fui levar a casa de carro, sem carta, sem autorização, perdidos de bêbados. Recordo-me daquele seu ultimatum por alturas do Carnaval. Recordo-me a ter perdido por causa de outra que não lhe chegava sequer aos calcanhares. Do seu sentido apurado, do seu humor sarcástico, da sua rebeldia, da sua inteligência. Vestia sempre de preto. Recordo-me da Rita.

Recordo-me ainda de outras ainda desse período, mais efémeras, fugazes, menos marcantes, menos felizes. Recordo-me da maioria delas. Mas não me recordo de mim. Não me recordo daquele eu de 16, 17 anos, capaz de correr cada vez mais depressa, cada vez mais optimista, cada vez mais alegre, cada vez mais deslumbrado. Daquele eu apaixonado, destemido, confiante, que encarava o futuro com um piscar de olhos, com um permanente sorriso por dentro. Daquele eu, capaz das mais ousadas loucuras, sem pensar parar, desistir, ou sequer olhar para trás. Daquele eu que toureava o azar com um pano vermelho. Que alcançava a felicidade inconscientemente, e nela permanecia e repousava sem sequer disso me aperceber. Era feliz nessa altura, mas só o vim a saber verdadeiramente hoje.

Partindo do princípio que me encontrava estabilizado, seguro, fui à procura desse eu, perdido no passado. Queria recuperá-lo, ressuscitá-lo para me sentir bem, feliz, vivo novamente. Fui em busca dele nestas férias, e tentei adaptá-lo à minha situação presente. Não só não consegui, como a corda estendeu demasiado e partiu. O meu eu normal e relativamente estabilizado, sem altos nem baixos, no qual tenho permanecido nos últimos tempos, não aguentou as últimas emoções e abandonou-me pela primeira vez nos últimos dois meses. O meu eu crítico, racional, melancólico voltou e tomou conta de mim. Veio-me pedir justificações, fazer perguntas e ilustrar com imagens. Deixou-me a repensar de novo toda a situação. Levou-me a estas recordações do passado, confrontou-me com as situações do presente e a fazer contas para o futuro. Fez-me ver os erros, as inúmeras oportunidades perdidas, e os processos pendentes. Deixou-me profundamente infeliz e a chorar interiormente. Disse-me que só tenho feito merda. Que me estou a meter por um caminho que já não faz sentido. Que é um ciclo vicioso. Que depois poderá ser demasiado tarde. Que desta forma acabarei inevitavelmente sozinho. Mostrou-me que ando a sacrificar os outros e a mutilar-me a mim próprio. Que estou mais solitário do que nunca. Mostrou-me que necessito de algo mais do que isto. E que não será comportável com nenhuma das opções presentes. Encontro-me neste constante isolamento. O que realmente me faria faz neste momento não é paixão. Seria sentir. Seria ser sentido. Seria ...

Conclusões? Tomar xanax diariamente ou meter um tiro na cabeça. Enquanto não decido, voltei à droga. Há que desanuviar, pois a dor é forte e corrosiva. O restante permanecerá na eterna indefinição e expectativa.

Fotos: MONOART

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