Friday, October 28, 2005

Jantar de Curso

Fim da aula. Notava-se um pequeno burburinho e uma ligeira agitação nas meninas. Normal. Primavera. Não só... Pus-me á coca (literalmente), e consegui ouvir perceber qualquer coisa. Já nem me lembrava que havia jantar de curso.

Tinha-me inscrito e pago jantar, logo no início do ano lectivo. Pensei que era uma boa ideia para conviver e conhecer pessoas. Mas antes de ir fumei um charro e a febre passou-me. Nessa altura tinha relações cordiais com a menina Magda, que me havia dito que não ia. Sem interesse, a ideia esmoreceu. Lá acabei por ir a muito custo. Principalmente por causa da organização. A comissão de curso é uma comédia. Nem sei como se têm aguentado estes últimos três anos. Até sei. Porque não há, nem nunca houve oposição. Ninguém deve ter ficado também com vontade depois daquele triste exemplo. No fundo são apenas um bando de crianças a tentar brincar aos políticos. Apesar disso, mesmo assim fazem-no mal e são
incompetentes. Dá-me prazer argumentar com eles. Típicos cromos, de desmedidas ambições políticas e que se auto elegeram, porque não havia mais candidatos nem sequer votantes. Sempre à cáta da oportunidade para interromper uma aula, para elevar a voz e falar á multidão anunciando que não há aulas nos feriados, ou para anunciar os seus jantarzinhos de curso. Para sentirem o poder. Odeio políticos, como um ateu odeia um padre. Eles querem ser os palhaços, no meio daquele circo. Ainda assim representam sem classe. Mal e porcamente. Até há uns cómicos, uns discretos, mas a maioria cai no ridículo. Estereótipos puros tirados de uma qualquer comédia satírica ao estado degradante do associativismo estudantil actual. Acham que aquilo lhes dará uma certa importância e estatuto social. Há lá um que me mete particular nojo. É o menino Mariano. O que tenta tomar a liderança, mas que se engasga sempre que tem de falar ou tomar uma decisão. Quando abre a boca também não abona muito em seu favor, diga-se. Típico azeiteiro. Camisolinha pull and shark da feira lá da zona, com calcinhas de ganga bem engomadinhas e justinhas a arrepanhar os colhões, de pose emproada, e corte á militar lambuzado de gel. Este parolo, faz um especial esforço para manter uma pose um tanto ou quanto esquisita, já que caminha recto como se tivesse levado com uma estaca pelo cu acima ao mesmo tempo que tenta sempre manter as pernas o mais abertas possível, o que lhe dá um aspecto de gorila deficiente enquanto se move. Sustem a respiração nos pulmões, para andar constantemente emproado com o peito cheio de ar. Penso que faz isto para atraír as miúdas, mas até agora não está a ter muito sucesso. Bem se esforça, quando lhes decide levar as novas "boas novas" que já toda a gente sabe pelos corredores. Ou seja, quando será o próximo jantar de curso. Manifestações, magnas e protestos, nem eles próprios põem lá um pé. Há um que vai a representá-los, mas isso é porque está numa lista concorrente à Associação. O seu primitivismo acaba por ser demais evidente, e consegue relembrar isso constantemente. Alguns, apesar disso, respeitam-no apesar das suas constantes e notórias tentativas de afirmação pessoal. Acreditam mesmo naquela enorme encenação, e vão-lhe beijando o cú, na esperança de retirar daí dividendos para o futuro. Não vá com o tempo abrir mais uma vaga para palhaço, para poderem passear pelo palco também. Curiosamente são os mesmos que dão a cara para aparecer nos folhetos das listas todas que aparecerem. "Deve ser giro ser popular". Desde já lhes gabo a paciência, pois acho que nem por dinheiro, abdicaria da minha privacidade para me expor a tal caricatura. Ainda mais nos termos em que eles o fazem. Uma comissão pretende-se discreta, e eficaz. Aqueles cromos conseguem interromper aulas para as transformar numa feira, e prolongar por horas questões que se resolveriam em cinco minutos.

O meu entusiasmo não era muito. Além do mais estava muito constipado e a tomar medicamentos. Não poderia beber. Já para não falar do facto de não conhecer muito bem aquela gente. Estava decidido a não ir. Acendi um charuto, para no caso de mudar de ideias, e não me aborrecer tanto. Houvesse jantar em casa e não teria pensado duas vezes. Reconsiderei e pensei lá dar um salto, comer, e vir embora. Cheguei. Grande confusão. Tanta gente! Não sabia bem onde me sentar. Esperei que todos ocupassem os lugares, e fiquei numa mesa à parte, juntamente com um grupo de mulheres que tinham chegado também atrasadas. Ao meu lado estava a gótica da turma. Do outro, um tipo qualquer que ía metendo conversa. A conversa com a gótica parecia-me bem mais interessante, embora igualmente banal. Uns copos de vinho verde, e a conversa fluía. Todas as gajas se tinham preparado a rigor para aquilo. Todas tinham posto a roupinha nova favorita. Quase todas se tinham maquilhado até borrar a cara por completo. Algumas traziam brutais mini-saias que deixavam ver tudo. Todas se pavoneavam como desfilando numa passerelle. Já tinha assistido aquele filme. Por esta altura, dissimulado no meu cantinho a observar discretamente, pensava onde iriam parar estas doidas, libertas pelo álcool, e guiadas pelo vício carnal que emana do interior animalesco. Particularmente, nesta altura do ano... Algumas cantavam as típicas musiquinhas de bebedeira de jantar de curso. Outras berravam chamando pelo nome de alguém. Outras ainda corriam as mesas todas em frenéticos protocolos sociais para manter o estatuto de popularidade. Outras ansiavam pela hora de saírem dali e irem disparadas para a discoteca exibir os seus corpinhos ao ritmo da musica, esperando seduzir o amor da vida delas, que surgiria por milagre, qual príncipe encantado que emerge miraculosamente do arraial popular. Outras ainda olhavam repetidamente para o relógio, com cara de quem já está farto de ali estar, e quer ir para casa. Eu ia registando. Ia conversando com as meninas, e enchendo os seus copos...

A gótica parecia ouvir-me com particular atenção. Parece simpática, mas não sei porquê há nela uma espécie de inocência infantil. Não deve ser gótica, mas veste-se sempre, mas rigorosamenete sempre de preto. Até é gira, embora seja um pouco baixa. Contudo tem um corpinho divinal e parece ser inteligente, e também muito sagaz. Conversa puxa conversa, e a bebida já mexia comigo. Parecia naquela altura, apesar dos meus planos iniciais de voltar logo para casa, determinado a acompanha-la o resto da noite. Ela por sua vez, parecia também muito simpática. Estava com pena dela. Teve o azar de apanhar um convencional do outro lado, que a saturou de banalidades durante quase toda a noite. Ela estava visivelmente entediada. Por fim, solto pelo alcool, lá me passou mais a moca, e lá a fui animando, lançando conversa na mesa. Acabei por saber o nome de todas elas, mas já não me lembro de nenhum. Excepto do dela, porque fez questão de repetir. O homem ia trazendo mais vinho, e eu adivinhava já uma longa noite. Mais álcool. Mais conversa. Já estava um pouco possuído, à minha maneira. Sabia que a partir daquele ponto, já não ía conseguir parar, era caminho sem regresso. Nisto sem querer, enquanto ia gesticulando, tal era a carga etílica por aquela hora, verto o meu copo por cima da mesa. Como me conheço bastante bem, e sabia perfeitamente como ía terminar aquela noite, aproveitei a deixa para dizer que me ía limpar á casa de banho, e bazei dali para fora.

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